27 de fevereiro de 2013

O desafio das pantufas (ou "sobre a liberdade de se vestir no Japão")

Há mais de um ano, nesse inverno de nossasinhorameudeus que faz em Tóquio, eu resolvi sair em busca de pantufas. Infelizmente, eu havia deixado minhas pantufas Peter Pan e de vaca no Brasil e, na falta delas, gostaria de buscar algo no mesmo patamar: divertido, confortável, quente e com preço justo! Foram muitos dias de procura... Passei por vários porquinhos sem graça, estampas estranhas e coisas extremamente caras.

Já estava desistindo, quando, num momento de desolação, olhei pro teto no Donki (sim, vale a pena abrir o link para o vídeo da loja mágica) pra suspirar e vi as pantufas de dragão, as últimas e, por coincidência, verde e amarelas! Mais recentemente, confesso, elas foram abandonadas por pantufas de sola com melhor isolamento e que aguentam essas casas geladas toquiotas. Mas, por muito tempo, elas foram motivo de muita alegria, diversão e aquecimento.


Um belo dia, a caminho da porta de saída, eu pensei no desafio: ir com a pantufa de dragão à videolocadora que fica no térreo do nosso prédio e observar se alguém notaria. Meu desafio é socioantropológico: gostaria de testar a capacidade dos japoneses de fingir discrição.

Ao contrário de nós, brasileiros, que vemos algo fora do que consideramos padrão ou uma muvuca e logo olhamos e queremos saber o que aconteceu, os japoneses não dão a mínima bola. Mas isso parece ser apenas na superfície. Quando eles percebem (ou acham) que ninguém está vendo, eles dão uma olhadinha "de leve". Já flagrei vários japoneses e japonesas observando alguma coisa em mim por cima do livro. Já escutei pessoas comentando a Lolita que acabara de entrar no vagão do trem. Outra forma ainda mais discreta de se sentir observado (e criticado) é quando ninguém comenta sobre uma mudança óbvia que vc fez no visual (quando eles aprovam, normalmente já vão logo dizendo "kawaiiiiii").

Desafio em mente, imaginei "opa, perai, eu não devo ser a única a pensar em descer de pijama pra locadora" e comecei a observar... As pessoas vão sim de pijama para a convenience store (carinhosa combini) e para a locadora. Hoje foi até engraçado: um rapaz de chinelo, uma calça azul de fleece cheia de corações cor de rosa gigantes com "love" escrito dentro deles e um casaco Uniqlo preto.

Acho que só o fato de não ser observado escancaradamente é uma das razões para Tóquio ser o paraíso de quem quer se vestir da maneira como bem entender (ou até mesmo dar uma corridinha de pijama até a esquina) sem se sentir mal com a perseguição dos olhares condenadores. Outras razões são parcialmente consequência do que acabei de mencionar: vê-se de tudo por aí; não há regras para se vestir! Aqui eu aprendi que bolinhas podem ser usadas com oncinha, que ninguém vai me julgar pelas minhas pontas vermelhas (copiadas da Nádia com a devida concordância) e por aí vai...

Foi assim que meu desafio das pantufas morreu...

16 de fevereiro de 2013

Eu começo e não termino...

Há algum tempo eu descobri a facilidade com que começo as coisas e não termino desde que a total responsabilidade da minha vida foi passada a mim. 

Na faculdade, eu comecei a fazer teatro e desisti. Comecei a fazer simulações jurídicas e desisti (apesar de ter retomado mais tarde). Comecei a ler vários livros e parei no começo, na metade, um pouco antes do fim... Comecei a nadar três vezes por semanas, o que se reduziu a uma vez por semana e depois a nada. Até salto ornamental eu comecei e desisti. Nunca quis necessariamente desistir de nenhuma dessas atividades. Ocorreu apenas que eu descobri ter a possibilidade de fazer praticamente tudo que eu quisesse nesse mundão... Era um mundão de possibilidades diante do meu nariz e eu sempre achei que eu deveria provar de tudo.

Aqui no Japão, com mais tempo e dinheiro disponível, decidi retomar coisas que parei na época da faculdade e tentar coisas, tais como enfrentar a barreira linguística e aprender novos esportes.  Desisti de praticamente tudo: do flamenco, do ballet, do curso de japonês... O que me preocupa é que o processo de desistência aparenta ser diferente. É como se eu estivesse em busca de algo que não encontro no passado (a tentativa de retomar atividades que abandonei involuntariamente em razão dos estudos ou da falta de dinheiro) e nem no novo (o aprendizado do japonês por exemplo). Há, também, algo que me sussurra: "Vc não pode mais experimentar pra sempre! Precisa decidir, precisa escolher e se agarrar a sua escolha". Mas, pensando cá comigo: anteriormente meu mundo sempre havia sido muito limitado, ninguém nunca me contou que eu precisava escolher, o que torna difícil pensar em uma... Escolha.

Na minha infância, eu sempre tive os mesmos amigos, brincava na mesma rua, subia na mesma goiabeira, assistia aos mesmos programas de tv. Consigo contar nos dedos as vezes em que viajei mais longe do que 100 km da minha cidade. Eu lembro que minha maior felicidade intermitente era ir buscar água em Lavrinhas! Em casa tinha daqueles galões de 20 litros de água e, numa microcidade a 20 minutos da minha, tinha uma mina d'água muito boa! Assim, toda vez em que a água começava a acabar, meu pai avisava: "vamos buscar água em lavinhas!". Eu pulava, trocava de roupa e corria para o carro. Em Lavrinhas, eu brincava na praça ou sentava pra sempre esperando o galão encher... Ah, claro, cresci sem internet!

Apesar de algumas conquistas, as dificuldades permaneceram na faculdade e, então, meu mundo continuou um pouco limitado: eu tinha que fazer estágio, não podia passar a tarde toda estudando direito internacional, política, literatura, sociologia e línguas. 

De repente, logo depois da faculdade, eis que eu posso escolher! Tenho tempo! Posso pagar! Mas, tão repente quanto a alegria, veio a indecisão e o consequente abandono de vários objetivos uma vez estabelecidos. Foi um longo período assim. Um período que talvez esteja dando, finalmente, adeus... Já vai tarde!

Eu acredito que esses períodos de adeus também representam perdas pessoais e agora que venha então o desafio de lidar com as perdas e deixar os sentimentos simplesmente fluírem!